A Internet das Coisas e a Coisificação das Pessoas


 

Tecnologia das Cavernas

 

Tecnologia não são nossos eletrônicos, o homem da caverna era tecnológico! Deixe-me explicar, antes que você diga que estou exagerando. Tecnologia é quando usamos o material bruto encontrado na natureza e o rearranjamos para torná-lo uma ferramenta, que, se não fosse feita daquela forma, demandaria muito mais esforço repetitivo[1]. A tinta das pinturas da caverna, os utensílios de caça, roupas para vencer o frio, tudo significava grandes avanços tecnológicos, que achamos comuns porque já nascemos com eles. Agora vá perguntar a uma mãe que lavou fralda de pano se a fralda descartável não é uma enorme invenção tecnológica, ou talvez imagine sua vida antes da tecnologia chamada privada sanitária.

 

Voltando ao assunto, de todas as tecnologias já inventadas, a que considero de maior importância: o Alfabeto. Ele e os demais aspectos da linguística permitiram o primeiro grande salto na conexão entre nós. Outros grandes saltos, como o papiro, a prensa de Gutemberg e o computador mereceriam comentários, mas não cabem aqui neste artigo. Vou saltar para a tecnologia que permitiu o ponto máximo da possibilidade de conexão: a internet. Ela veio facilitar as conexões e a transmissão de informação. Essa talvez nem os mais antigos entre nós consigam se imaginar sem. Além de facilitar as conexões, ela facilitou muito nossas vidas em vários aspectos. Quer discordar, pense na frase "fila de banco" (ainda existe e muito, mas imagine sem a internet). E a internet quer conectar cada vez mais.

 

Não sei se você já ouviu falar no termo "Internet das Coisas", mas nos últimos anos tem sido objeto de muito estudo e especulação, Não é um apelido pessoal inventado do nada, mas um termo acadêmico proposto em um artigo de 1999 por um cientista de Harvard[2] para tratar de uma revolução que estaria por vir em nosso cotidiano, onde todas as coisas estariam conectadas, inclusive sendo usado frequentemente em sua forma abreviada: IoT("Internet of the Things"). Das nossas torradeiras às coleiras de cachorro[3], tudo estaria interconectado, todas as coisas na internet.

 

Naquela época não existia nem smartphone. E, 20 anos depois, aqui estamos nós, com tudo na palma da nossa mão, literalmente. Fone, relógio, à lâmpada e quem diria, a coleirinha do cachorro, sob o controle dos apps, à nossa mão. A tecnologia é realmente algo fantástico.

 

SERES RELACIONAIS - AS MÍDIAS SOCIAIS

 

A internet, no início de tudo, tinha por função facilitar a troca de informações entre sistemas (bancários, financeiros, etc...). O que fez a internet ser algo ultra desejado e potencializou a aceleração do seu desenvolvimento e uso foi a comunicação entre pessoas, a invenção da primeira de todas as mídias sociais, o e-mail, em 1965.[4]

Segundo a grande maioria dos estudos, o que nos mantém mais conectado a ela, até hoje, continuam sendo as mídias sociais, sistemas onde há comunicação ou conexão são, em última instância, entre pessoas. Alguns vão lembrar do mIRC, IRQ ICQ, Msn Messenger, Aol Messenger, Fotolog e por ai vai.[5]  Tudo isso aponta para a realidade bíblica sobre a humanidade: somos seres relacionais.

Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus.
1 João 4:7

Este clamor de João nos remonta ao princípio do propósito da criação. Fomos criados à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:26)[6]. A Trindade revela um Deus que é relacional, e nos criou com essa mesma engrenagem: somos seres relacionais. Desejamos relacionamento com Deus e com as pessoas. Esta é a essência dEle ao custo de sua morte (João 3:16)[7].

Maturidade das Cavernas

Está em debate se o resultado dessa nossa hiper conexão tem mais resultados positivos ou negativos. Há uma tendência entre os cristãos de divinizar ou satanizar as coisas, quando na verdade o uso que fazemos das coisas é que revela se procedem de um coração impuro (Tito 1:5)[8]. E isto desvia o nosso olhar do problema central e nos engaja em campos de batalha contra o vento (Ex.: "Mídias sociais, são ruins; a internet faz mal, etc.."). Em outro artigo, poderíamos tratar do principal artifício onde creio que a internet nos derruba: o vício no entretenimento. Aqui quero me encaminhar para o final, voltando nossos olhos ao centro do problema: nosso coração.

 

Somos corrompidos pelas coisas, não por que elas, em si, são impuras (Romanos 7:16-17)[9]. Elas servem como instrumento para atingir o “calcanhar de Aquiles” presente dentro de nós. A internet não é impura, mas as pessoas criam na internet ambientes de impureza. Estes círculos relacionais alimentam as impurezas do meu coração (pornografia, ambientes de inveja e discussões tolas). Pense comigo: onde essa hiper conectividade te afeta mais no coração? Ansiedade? Inveja? Sentimento de inferioridade? Medo? Procrastinação? Sexualidade? Entretenimento? Raiva? Falta de tempo devocional? Lutamos contra o nosso pecado, que é fruto da queda e a afeta a todos, o que faz o apostolo Paulo bradar:

 

Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo (Romanos 7:19).

 

Como alguém que luta contra o vício na informação e entretenimento, partilho da luta, com alguns que leem aqui, da constante batalha de tentar me desconectar. Não porque o celular seja um problema, mas meu coração precisa de Deus e eu estou tentando preencher demais minha alegria com o tempo em frente às telas.

A Coisificação das Pessoas

As impurezas do nosso coração acabam transformando ferramentas, em instrumentos de destruição. Aquilo que era para tornar as coisas conectadas, na verdade transformou as pessoas, que eram conectadas, em desconexas e presas às latarias tecnológicas, que, agora, mandam e desmandam em nós, não apenas como soluções a muitos obstáculos (ex.: trabalho à distância no tempo da pandemia), mas se impõem sobre nós como obstáculos a uma vida conectada.

 

Será que vivemos na era da Internet das coisas ou na era da coisificação das pessoas, onde tudo se inverteu, e agora as coisas estão conectadas e nós não, desconectados uns dos outros?

 

"Desejamos relacionamento, no entanto valorizamos informação mais que pessoas. Não era para ser assim."

 

Quando leio uma notícia, normalmente penso na informação que foi transmitida e não em como está a família do jornalista, se tem alguém doente, se ele está bem. Até aí nenhum problema, pois há, por princípio do jornalismo, o intento da "impessoalidade". Só que quando eu estou me dirigindo a outra pessoa, em qualquer tipo de interação, seja mensagem, vídeo, ou comentário, há um imperativo para o cristão, que é o amor. Somos provocados pelo Evangelho a ter intencionalidade na pessoalidade, colocar-se no lugar do outro e derramar Misericórdia e Amor, mesmo na hora de alguma exortação necessária.

 

Além da necessidade de purificar o nosso coração na interação com a tecnologia, precisamos de arrependimento constante para crescermos na humildade de Cristo, pois a forma com que tratamos uns aos outros parece estar sendo, perdoem o uso da palavra: Pandêmica.

 

Vemos muitas vezes, nas interações sociais da internet, até mesmo partindo de pessoas próximas, um discurso em que se justifica ofensas com a desculpa de defender a verdade. A forma como tratamos as pessoas deve ser a forma como Cristo nos trata, ou caímos no absurdo do personagem de uma das parábolas mais duras de Jesus (Mateus 18:21-35). As palavras que usamos com as pessoas devem ser as palavras que Cristo usa conosco, mesmo quando “pisamos na bola”. Nada justifica não termos amor em alguma ação nossa na direção do outro (1 Coríntios 13).

 

Não agimos para com os outros da forma que achamos que eles merecem, mas como Jesus através de nós responderia a todas as situações da vida, com verdade e Graça. Temos muito apego a quem tem a verdade e, muitas vezes, passamos com ela por cima das pessoas, e ainda nos orgulhamos por isso, muito sem graça. Em todos os sentidos: sem Graça!

 

Cabe a nós, seguidores de Jesus, fazer o bom uso de tudo na criação, para o louvor da sua Glória. Cabe a nós também, não esquecer que os ambientes nos quais devemos estar, são aqueles nos quais o nosso coração consegue honrar plenamente a Jesus.

Façam todo o esforço para conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz (Efésios 4:3).

 

Deus nos criou à Sua imagem e Semelhança, somos seres relacionais que revelam aquele que é Amor. Por isso, a forma como nos relacionamos é primordial. Não vamos deixar que a coisificação de tudo nos faça ganhar o mundo com a verdade orgulhosa e perder a nossa alma (Marcos 8:36).[10]

 

Por fim: desconecte-se da rede um pouco, conecte-se à vida, mantenha a mínima distância possível, as redes servem para aproximar os distantes, e não para distanciar os próximos. Não podemos admitir que tudo esteja conectado, menos a gente. A mensagem aqui então, não é para que você se guarde das tecnologias, mas como diz a Palavra: guarde o seu coração! [11]

 


[1] https://www.tecmundo.com.br/tecnologia/42523-o-que-e-tecnologia-.htm

[2]https://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2014/08/internet-das-coisas-entenda-o-conceito-e-o-que-muda-com-tecnologia.html

[3] https://www.wired.co.uk/article/internet-of-things-what-is-explained-iot

[4] https://en.wikipedia.org/wiki/History_of_the_Internet

[5]https://canaltech.com.br/redes-sociais/dia-das-midias-sociais-historia-e-evolucao-a-servico-da-comunicacao-71615/

[6] Então disse Deus: "Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança… (NVI).

[7] Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito… para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna (NVI).

[8] Para os puros, todas as coisas são puras; mas para os impuros e descrentes, nada é puro. De fato, tanto a mente como a consciência deles estão corrompidas (NVI).

[9] E, se faço o que não desejo, admito que a lei é boa. Neste caso, não sou mais eu quem o faz, mas o pecado que habita em mim (NVI).

[10] Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?

[11] Jeremias 17:9-10